terça-feira, 25 de novembro de 2008

Assim deve ser a relação perito/assistente técnico: comentários ao Comunicado 01/2008 TJSP-CRPSP

Tendo comparecido ao evento A ÉTICA PRÓPRIA DA PSICOLOGIA, onde se discutiu
o comunicado nº 01/2008 do Núcleo de Apoio de Serviço Social e de Psicologia, em que são apresentadas sugestões de recomendação para atuação do psicólogo no Tribunal de Justiça: nas questões de família – CRP, apresento aqui alguns comentários. O proposto neste documento visa minimizar distorções importantes que têm se colocado no âmbito da atuação do psicólogo enquanto perito ou assistente técnico forense.

Iniciemos pelo conteúdo da afirmação que aparece como a recomendação 3:

3- Compromisso dos Assistentes Sociais e/ou Psicólogos Perito/Assistente Técnico – Recomenda-se que o trabalho dos profissionais seja pautado pelo compromisso de oferecer os conhecimentos do Serviço Social ou da Psicologia colaborando com o Poder Judiciário, garantindo como fundamental o bem estar de todos os sujeitos da família envolvida.

Temos aqui a reafirmação do segundo princípio fundamental de nosso Código de Ética, princípio inerente a todo o comunicado:

II. O Psicólogo trabalhará visando a promover o bem-estar do indivíduo e da comunidade, bem como a descoberta de métodos e práticas que possibilitem a consecução desse objetivo;

Quando atuamos no âmbito da Psicologia Forense, isto é, quando o produto de nossa atuação será ou poderá ser elemento apreciado por um(a) Juiz(a) na formulação de uma decisão, também não podemos perder de vista o fundamento ético de que trabalhamos visando promover o bem-estar do indivíduo e da comunidade, independentemente de sermos o perito (pressuposta a imparcialidade) ou o assistente técnico (reconhecida a parcialidade). Assim é, e, por conseguinte, a intervenção psicossocial fica eticamente obrigada a buscar promover o entendimento e a conciliação, desconstruindo o movimento de cada um dos envolvidos projetar no outro a culpa pelo acontecido. Desta forma, se estará trabalhando para minimizar o caráter litigioso que costuma prevalecer nos processos das Varas de Família (litigiosidade promovida, em grande medida, pelo modo como se constitui a lide e como opera o proceder judiciário, conforme se aponta na parte final).

Entende-se que toda e qualquer intervenção psicossocial fomentadora do litígio imputará prejuízos aos envolvidos, violando frontalmente o princípio acima reproduzido, sendo que a constituição de litígio entre os profissionais é claro indicativo de que falharam no cumprimento do papel que lhes é preconizado, papel reiterado no comunicado, além de, provavelmente, corresponder a um deslocamento do litígio entre as partes para o litígio entre os técnicos.

A ética própria da Psicologia, como também a dos Assistentes Sociais, veda-lhes relacionarem-se litigiosamente pois, se assim o fizerem, em nada contribuirão para o bem estar de todos os sujeitos da família envolvida. Atuando como Peritos ou como Assistentes Técnicos, estes profissionais ficam também submetidos ao Código de Processo Civil, que em sua Seção VII (artigos 420 a 439) regulamenta a produção da prova pericial e em seu artigo 422, expressamente afirma:

Art. 422 - O perito cumprirá escrupulosamente o encargo que lhe foi cometido, independentemente de termo de compromisso. Os assistentes técnicos são de confiança da parte, não sujeitos a impedimento ou suspeição.

Assim, no âmbito da Psicologia Forense, estamos submetidos a dois senhores e a dois mandos, muitas vezes incoerentes entre si.

O perito, psicólogo ou assistente social, de um lado, sofre a pressão do poder de mando que emana da Lei e do despacho judicial e, de outro, não pode deixar de respeitar o Código de Ética de sua profissão. Ele corre o risco de incorporar ao estudo elementos que efetivamente o anulam ou, ainda, confundir a imparcialidade que emana do papel que desempenha com a detenção da verdade.

O assistente técnico, psicólogo ou assistente social, sob a pressão, de um lado, dos interesses manifestos (mesmo que distorcidos) da parte que nele depositou sua confiança e, de outro, tendo que ater-se ao rigoroso cumprimento de seu Código de Ética, corre o risco de confundir parcialidade intrínseca com o empenho de só reconhecer como válidos os dados e impressões que convergem com os interesses de quem o contratou.

Pensamos que esta recomendação procura nos alertar de que o compromisso com a Justiça (perito), como também o compromisso com o cliente (assistente técnico), não se sobrepõe ao compromisso com a ética da profissão. As determinações legais que criam espaço para condutas incondizentes com o melhor exercer da profissão devem ser relidas à luz do que se está recomendando.

Não se subestime as confusões geradas no conviver sob tão complexo contexto, conforme demonstra os dois primeiros considerandos do mesmo comunicado:

Considerando o n.º crescente de representações junto ao Conselho Regional de Psicologia de São Paulo referente ao trabalho realizado pelo Psicólogo no contexto do Poder Judiciário, especificamente na atuação enquanto Peritos e Assistentes Técnicos frente as demandas advindas das questões atinentes à família;
Considerando as recorrentes consultas sobre a matéria dos Assistentes Sociais e Psicólogos Judiciários, da capital e interior, encaminhadas ao Núcleo de Apoio Profissional de Serviço Social e de Psicologia, da Corregedoria Geral da Justiça;

A conjunção destes dois aspectos nos autoriza a supor que o crescente número de representações junto ao CRPSP, referidas no primeiro considerando são queixas de Assistentes Técnicos contra os Psicólogos Judiciários. No decorrer do evento “A Ética Própria da Psicologia”, a Conselheira Patrícia, Presidente da Comissão de Ética do CRP, esclareceu-nos que também são muito freqüentes as representações de Assistentes Técnicos questionando a qualidade técnica de laudos e relatórios produzidos por psicólogos e que foram juntados aos autos pelas partes.

O comunicado recomenda que a relação Assistente Social e/ou Psicólogo Perito/ Assistente Técnico – deva se pautar pelo espírito de colaboração. Textualmente lê-se:

2- Relação Assistente Social e/ou Psicólogo Perito/ Assistente Técnico – esta relação deve se pautar pelo espírito de colaboração, sendo recomendado que o material coletado proveniente da avaliação social ou psicológica, seja compartilhado com o outro assistente social ou psicólogo, mediante anuência das partes por escrito, sendo indicado também a realização de reuniões para início e conclusões dos trabalhos.
Entende-se ser o Assistente Social e/ou Psicólogo Assistente Técnico o profissional capacitado para questionar tecnicamente a análise e conclusões realizadas pelo Assistente Social e/ou Psicólogo Perito.
Para evitar comprometimento técnico-ético e interferência no trabalho realizado, em eventual prejuízo das partes, zelando pela preservação das condições inerentes a avaliação de natureza social e psicológica, com a privacidade necessária, recomenda-se que o Assistente Técnico solicite ao Perito do juízo, caso deseje estar na sala no momento da realização da avaliação social ou psicológica a ser realizada por este último, cabendo ao Perito levar em conta as variáveis que integram uma avaliação, dada ciência por escrito para as partes. Recomenda-se ainda que a atividade seja exercida por profissional que não parente próximo, irmão ou amigo íntimo das partes.

Nesta recomendação se procura esclarecer de que não há embate entre os profissionais, mesmo quando se constitui enorme litígio entre as partes. Entre profissionais deve prevalecer sempre o esforço de colaboração. Se há uma parte que, por insuficiência de recursos, sequer nomeou um assistente técnico, em oposição a uma outra – aflita por se assegurar do ganho da causa – e que se mostra disposta a gastar o que for preciso para ter a seu lado um profissional de grande renome e de reconhecida competência que irá acompanhar o trabalho de um perito concursado, casualmente recém admitido e inexperiente, esta suposta discrepância de competência entre os profissionais não pode produzir qualquer vantagem para a parte tecnicamente assistida, pois não se trata de “que vença o melhor”.

Não há lide entre os profissionais, entre eles prevalece o compromisso ético de cooperarem para o bem estar de todos os sujeitos da família envolvida.

A realização da perícia conduz à produção de provas periciais que, reunidas às provas testemunhais e às provas documentais, compõem o conjunto de elementos sobre os quais o juiz forma sua convicção. Todos os que participam da produção de provas estão obrigados a agir com responsabilidade e correção.

Estabelecido que a colaboração deve, necessariamente, presidir a relação entre o perito e o assistente técnico há que se definir em que termos ela se dará e quais são os seus limites. Havendo anuência por escrito das partes, o material coletado no estudo psicológico será compartilhado com os assistentes técnicos. É importante obter-se a anuência, inclusive, da parte que o assistente técnico representa.

Lembremos que todo estudo psicológico implica numa certa “invasão de privacidade”, que o relatório do estudo psicológico deve se ater estritamente aos elementos relevantes para a questão colocada pelo juízo e que apenas este e a própria pessoa avaliada podem estender a terceiros o acesso aos elementos colhidos no estudo.

Se perito e assistente técnico colaboram no esforço de promover o bem estar dos envolvidos é importante que se reunam e compartilhem o conhecimento dos procedimentos a serem desenvolvidos e os resultados do que se realizou: "assegurada a livre manifestação do ponto de vista técnico", conforme textualmente estabelecido no artigo 151 do ECA. Mantendo-se sempre claro que um fala de uma posição que pressupõe o submeter-se ao princípio da imparcialidade e o outro fala de uma posição intrinsecamente parcial.

Não se deixando a parcialidade contaminar a imparcialidade, a variabilidade nos pontos de vista assegura maior riqueza aos elementos que consubstanciarão a decisão judicial. Prejudicado ficaria o estudo psicológico em que esta colaboração conduzisse a que seu resultado se tornasse a expressão das negociações estabelecidas entre os profissionais.

A instrução dos autos oferece amplo espaço e uma vasta gama de recursos para que o assistente questione tecnicamente as análise e conclusões realizadas pelo perito. Reafirma-se que apenas o assistente técnico de mesma profissão que o perito é o profissional capacitado para proceder a tais questionamentos. Devendo ambos estar sempre assegurados de que seu interlecutor é seu colega de profissão.

Recomendando a colaboração, o comunicado preocupa-se que esta não se torne interferência do assistente técnico no trabalho do perito (o inverso também não é admissível). Procurando delimitar como se realizaria esta cooperação quando o assistente técnico requere a estar presente durante a realização da avaliação pelo perito. Admite tal solicitação (que costuma ser tida por alguns juizes como irrecusável porque expressão do princípio da ampla defesa), mas delega ao perito aceitá-la ou recusá-la desde que devidamente fundamentado. A centralização da decisão na figura do perito decorre do consenso da Psicologia de que tal presença pode comprometer seriamente o estudo. Desta forma, esta recomendação preocupa-se em defender o perito de determinações judiciais que lhe impõe realizar o estudo com a presença do assistente técnico, mesmo quando os fundamentos da Ética Própria da Psicologia a vedem por caracterizar interferência de um profissional no trabalho do outro.

Aqui está colocada a premência de se delimitar até onde a Psicologia é capaz de submeter-se ao que preconiza o artigo 429 do Código de Processo Civil e à aplicação plena do princípio do contraditório:

Art. 429 - Para o desempenho de sua função, podem o perito e os assistentes técnicos utilizar-se de todos os meios necessários, ouvindo testemunhas, obtendo informações, solicitando documentos que estejam em poder de parte ou em repartições públicas, bem como instruir o laudo com plantas, desenhos, fotografias e outras quaisquer peças.

"O princípio do contraditório significa que as partes poderão fornecer provas, testemunhas e discutir cada etapa da prova conduzida na perícia (...). Uma perícia pode ser contestada ou sua nulidade pode ser solicitada caso as partes sintam que houve algum tipo de desrespeito pelo princípio do contraditório". (CASTRO, L. R. F. Disputa de guarda e visitas: no interesse dos pais ou dos filhos? São Paulo: Casa do Psicólogo, 2003, p. 35).

A lei e o princípio regulamentam as perícias em geral, sejam contábeis, de engenharia, químicas, psicológicas, sociais, etc. Asseguram ao assistente técnico as mesmas condições oferecidas ao perito para a realização do estudo, se assim não fosse poderia estar cerceando o direito de defesa da parte que o contratou. O entendimento de que o assistente técnico pode fazer-se presente na realização do estudo psicológico é do juiz, não está colocado textualmente seja na lei, seja neste enunciado do princípio do contraditório.

Caso o psicólogo assistente técnico reivindique o cumprimento pleno do que determinam a lei e o princípio, pode ocorrer, nos termos do Artigo 429, de o mesmo estudo vir a ser realizado quatro vezes: uma pelo perito, uma pelo assistente técnico do requerente, uma pelo assistente técnico do requerido e, por último, aquela realizada pelo assistente técnico da promotoria. Desnecessário demonstrar que tal possibilidade é absolutamente adversa aos princípios norteadores do trabalho do psicólogo.

Numa outra situação aventada por Castro quando de seu pronunciamento no evento supra citado: se os assistentes técnicos reivindicam estar presentes no decorrer da avaliação psicológica promovida pelo perito, pode-se chegar ao absurdo de termos numa sala quatro psicólogos, um dos quais realiza o estudo (o perito), e uma criança submetida à avaliação. Conforme destacou em sua fala, desconhecemos na literatura psicológica estudos que reconheçam a validade de uma avaliação realizada em tal contexto.

Considerando uma situação menos caricatural: a mera presença de um assistente técnico quando da realização do estudo psicológico pericial, mesmo sendo também ele um psicólogo, implica na introdução de um elemento estranho extremamente perturbador do campo psicológico (Bleger) que se estabelece quando da interação perito-avaliado.

Demonstrada a inaplicabilidade plena do Artigo 429 e do princípio do contraditório quando da realização de perícias psicológicas, pretende-se que os assistentes técnicos deixem de reivindicar prerrogativas que o juiz entendeu contidas na lei e que são inconciliáveis com a garantia de qualidade do trabalho realizado pelo perito. Se eles a reivindicarem, pretende-se que se assegure ao perito o acolhimento ou a rejeição devidamente motivada do pedido ou, ainda, a possibilidade de argumentar perante o juízo que a realização do estudo nos termos do determinado o tornarão tecnicamente nulo.

O comunicado em mera ressonância do que já é plenamente estabelecido em todos os âmbitos do trabalho do psicólogo, recomenda que o trabalho de assistente técnico não seja exercido por parente próximo, irmão ou amigo íntimo das partes. Não há impedimento legal a que o psicólogo assistente técnico seja, por exemplo, o irmão da parte, mas tal destoa do preconizado para o trabalho do psicólogo.

ASSIM DEVE SER, MAS ASSIM NÃO É

O processo de constituição da lide organiza os elementos apresentados nos autos numa forma que reflete a pressuposição de que há um inocente e um culpado. Assim também é nas varas de família. As sessões de conciliação constituem honrosa exceção. Este argumento se explicita quando atentamos para o que determina o Artigo 1578 do Novo Código Civil:

Art. 1.578. O cônjuge declarado culpado na ação de separação judicial perde o direito de usar o sobrenome do outro, desde que expressamente requerido pelo cônjuge inocente e se a alteração não acarretar: (...)

A lide é o conflito caracterizado por uma pretensão resistida. O requerente pretende, o requerido resiste. Falem as partes! Produzam elas as provas! Quem é o culpado pela desestruturação da família? Ao inocente a guarda dos filhos!

A formação e a Ética das equipes técnicas psicossociais são incompatíveis com uma atuação voltada a identificar o culpado e, por conseguinte, apontar o inocente, na medida em que entendem que os conflitos familiares são expressão do contexto sócio-histórico, têm uma historicidade particular e cada um dos envolvidos tem sua responsabilidade na construção da situação colocada sob apreciação judicial. Afora o reconhecimento de que a recorrência ao judiciário, não raro, se constitui em mais um sintoma do conflito. Paradoxalmente, a existência da perícia é expressão desta lógica processual incondizente com os fundamentos de nossos saberes.

A existência de Assistente Técnico nomeado pelas partes nos autos de uma ação numa Vara de Família, é indicativo de que se trata de justiça paga e de envolvidos com algum poder aquisitivo, além de, muitas vezes, ser indicativo de elevado grau de litigiosidade na ação. Se buscarmos as estatísticas para o Estado de São Paulo, constataremos que eles não chegam a 10% do total. Para a maior parte das ações em andamento nas Varas de Família, o estudo psicossocial realizado pela equipe técnica judiciária, submetido ao princípio da imparcialidade, tem cumprido devidamente o seu papel de consubstanciar a decisão judicial, sendo preconizado que esta intervenção promova o reconhecimento pelos envolvidos da própria parcela de responsabilidade e, com isso, favoreça a conciliação.

A experiência vem demonstrando que o parecer técnico psicossocial tornou-se peça crucial nas ações das Varas de Família. Os saberes psicológico e social assumiram grande relevância quando da apreciação do caso pelo juiz.

Sabemos, e nos indignamos ao constatar, que a Justiça para ricos não é a mesma que a para pobres. É nesta Justiça para ricos que se pode observar o esforço por minar o trabalho da equipe técnica, de forma a minimizar seus efeitos sobre a decisão judicial e, desta forma, restituir aos advogados mais hábeis os meios que lhe possibilitem influir na decisão do juiz de família. Eis que, nas mãos do poder econômico, o direito à ampla defesa pode ser convertido no empenho de neutralizar o impacto que o parecer da equipe técnica judiciária costuma exercer enquanto elemento consubstanciador da decisão judicial. Um assistente técnico sob medida, mais pressões de toda ordem sobre a equipe técnica compõem os ingredientes principais de uma boa receita.

O lugar que o AT ocupa é intrinsecamente parcial. O advogado com um mínimo de lucidez deixa de juntar aos autos os laudos de um assistente técnico que fala contra os interesses de seu cliente e, da próxima vez que for indicar um AT não será esse o seu indicado. Assim, tendem a sobreviver como assistentes técnicos aqueles que “sabem jogar o jogo”, isto é, que desenvolvem a habilidade de saber explorar os dados colhidos nos estudos em conformidade com os interesses (mesmo que distorcidos) daquele que o contratou ou de, ao menos, ser capaz de produzir interferências que dificultem o melhor realizar da função pericial, quando reconhecida a probabilidade de seu resultado apontar contrariamente aos interesses de quem nele depositou sua confiança .

A coooperação entre perito e assistente técnico emerge espontaneamente quando, nas entrelinhas, este vislumbra que o perito está construindo uma concepção do processo de constituição do conflito familiar que aponta na direção dos interesses da parte por ele assistida ou enquanto acredita que, mostrando-se cooperativo, tem maiores probabilidades de assegurar o alcance destes objetivos.

O juiz tem autonomia para decidir divergentemente do parecer do perito; tem autoridade para requerer uma nova perícia, inclusive por outros peritos. Forma sua convicção a partir do conjunto de elementos contidos nos autos. O inconformismo com o posicionamento do perito só se consolida com a decisão contrária ao interesse da parte, decisão que é proferida com conhecimento das alegações produzidas por tal inconformismo. À decisão cabe recurso e este pode se fundamentar no argumento de que o estudo psicossocial é tecnicamente falho. Então, acatado o recurso, novos estudos deverão ser realizados.

Não percamos de vista que a representação ao CRP pode constituir-se em forte pressão, quando não verdadeiro chantageamento, exercida sobre o perito.

Há o Código de Ética, há o esforço por todo uma reformulação do modo como o Poder Judiciário aborda as questões de família; há uma legislação ainda inspirada em pressupostos já superados. Há também o interesse: interesse no litígio e nos honorários que dele se pode sorver.

É louvável o esforço de mudança nas relações entre o perito e o assistente técnico fundamentada na Ética Própria da Psicologia. Ação paliativa necessária enquanto vamos construindo o completo desaparecimento da função pericial dos estudos psicossociais no âmbito das práticas judiciárias nas varas de família e de infância e de juventude: temos intervenções técnicas muito melhores a oferecer.

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Supervisor: Prof. Ms. Edson Alves de Oliveira
Mestre em Psicologia Clínica pela PUC-Campinas (2004)
Formação de Psicólogo e Licenciatura em Psicologia pela USP(1982).

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E-mail.
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segunda-feira, 24 de março de 2008

Contribuições ao Processo de construção de referências

A edição 154 (nov-dez/2007) do Jornal do Psicólogo do CRPSP (disponível em http://www.crpsp.org.br/a_acerv/jornal_crp/154/set_154.htm), traz uma matéria sintetizando a produção do Grupo de trabalho "Psicólogo Judiciário nas questões de família" em que se debate as dificuldades identificadas pela categoria na relação perito - assistente técnico.

“(...) o psicólogo não pode ter vínculo ou parentesco com alguma das partes envolvidas, explicou a psicóloga Giselle Câmara Groeninga, membro do GT, durante o "II Encontro com Psicólogos, Peritos e Assistentes Técnicos". [Mais adiante, retorna-se a este tema](...)Patrícia ressalta a importância de o assistente técnico não poder ser amigo nem tampouco familiar dos envolvidos”.

Conforme consta da ata da reunião do dia 18/05/07, fez-se uma consulta ao Depto Jurídico do CRP/SP sobre o possível impedimento do Assistente Técnico.

“Pelo Código de Processo Civil, o Perito está sujeito a impedimentos, mas não o Assistente Técnico (Art. 422). No entanto, poderíamos considerar haver este impedimento do ponto de vista técnico ou ético, já que não seria adequado atuar enquanto AT de parente próximo, irmão ou amigo íntimo? Em resposta, o Depto Jurídico diz que temos o poder de normatizar, mas que o CPC permite esta prática e prevalece sobre nossa normatização. Desta forma, o caminho para resolução dessa questão parece ser o de orientação das implicações éticas quanto a esta questão, sensibilização, procurar brechas e criar jurisprudência para mudar a lei”.

O “princípio que deve nortear a relação entre o perito e o assistente técnico” é colaboração. Caberia ao perito decidir sobre aceitar ou não a presença do assistente técnico quando da realização da avaliação psicológica. Na ata do dia 18/05/07, consta que o TJ/RJ fez uma norma através da qual é colocado como possibilidade a permanência do Assistente Técnico (psicólogo e assistente social) na sala durante a realização da avaliação psicológica realizada pelo Perito.

Foucault (1999), ensina-nos que a verdade é produzida socialmente, sendo o saber técnico científico o procedimento que reconhecemos como o mais válido para a sua produção.
“Cada sociedade tem seu regime de verdade, isto é, os tipos de discurso que ela acolhe e faz funcionar como verdadeiros; os mecanismos e as instâncias que permitem distinguir os enunciados verdadeiros dos falsos, a maneira como se sancionam uns e outros; as técnicas e os procedimentos que são valorizados para a obtenção da verdade; o estatuto daqueles que têm o encargo de dizer o que funciona como verdadeiro”. (FOUCAULT, M. (1999) Microfísica do Poder, RJ, Graal, p.12).

A realização de perícias constitui-se num procedimento socialmente reconhecido como válido para a produção de enunciados de verdade. O parecer emitido pelo psicólogo perito no seu laudo conclusivo tem o status social de um enunciado de verdade. Estamos no âmbito das práticas sociais caracterizadas pelo exercício do saber-poder, em que o saber é suposto (e incessantemente construído) porque imprescindível para a legitimação do exercício do poder.

A função pericial aparece regulamentada no Código de Processo Civil. Na Seção II (artigos 145 a 147) é enfocada a questão do perito e na Seção VII (artigos 420 a 439) a da prova pericial.

O perito atua nos autos sob determinação judicial, o faz a serviço e a mando da Justiça. Assim, fala a partir de uma posição de imparcialidade no que diz respeito aos envolvidos no processo, respondendo por eventuais prejuízos que vier a provocar às partes (vide art. 147, acima). Pode escusar-se a realizar a perícia declarando-se impedido ou suspeito (por exemplo, alegando envolvimento pessoal com uma das partes) ou ser recusado por impedimento ou suspeição se for considerado sem condições de atuar com imparcialidade (por exemplo, por ser o psicoterapeuta da parte ou por se ter descoberto ser amigo da mesma).

O assistente técnico se distingue do perito por atuar no processo contratado e a serviço de uma das partes, é, desde a lei, parcial, visto que reconhecido como de confiança da parte (não do juízo). O lugar que ocupa é intrinsecamente parcial. Evidentemente, falar a partir de uma posição de parcialidade não deve ser confundido com autorização para violação da ética. O advogado com um mínimo de lucidez deixa de juntar aos autos os laudos de um assistente técnico que fala contra os interesses de seu cliente e, da próxima vez que precisar não será a esse que irá recorrer.

A existência do assistente técnico no proceder judiciário é expressão do princípio do contraditório e do princípio da ampla defesa.

“O princípio do contraditório significa que as partes poderão fornecer provas, testemunhas e discutir cada etapa da prova conduzida na perícia (...). Uma perícia pode ser contestada ou sua nulidade pode ser solicitada caso as partes sintam que houve algum tipo de desrespeito pelo princípio do contraditório”. (CASTRO, 2003: 35).

O processo de constituição da lide organiza os elementos constitutivos do processo numa forma que reflete a pressuposição de que há um inocente e um culpado. O proceder judiciário, ao que nos parece, só opera dentro desta pressuposição. Lembremos que tais procedimentos têm suas origens nos antigos duelos.

Ao instruir um processo o juiz instiga os envolvidos a produzir elementos que lhe possibilitem formar sua convicção. O fato de o assistente técnico ser amigo ou parente da parte que o contrata, presume-se, contamina sua intervenção independentemente de se tratar de uma perícia contábil, química ou de engenharia civil. Em se tratando de uma perícia psicológica, uma eventual amizade, parentesco ou mesmo o fato de o psicólogo ser o psicoterapeuta da parte pela qual se manifesta tecnicamente nos autos – ainda que seja admissível pela legislação civil –, destoa dos princípios norteadores de toda prática psicológica e, apenas isso, já justifica que seja desaconselhada pois, qualquer advogado que tome conhecimento de tais princípios, poderá impugná-la ao demonstrá-la anti-ética.

Tratando-se de embate entre psicólogos assistentes técnicos contratados por cada uma das partes em litígio, aquele que não mantiver qualquer tipo de relação prévia com a parte que o contrata poderá desqualificar completamente o parecer técnico de seu oponente ao demonstrar que este é parente, amigo ou psicoterapeuta da parte que o contratou e que tal ligação é destoante dos princípios norteadores da prática psicológica, mesmo que não imponha o seu impedimento.

Lembremos que há processos em que os assistentes técnicos são engenheiros, contadores, analistas de sistemas e muitos outros profissionais para os quais o vínculo com as partes não conduz, necessariamente, à uma contaminação subjetiva relevante em sua intervenção. Assim sendo, não se trata de modificar a lei, mas de definir os seus limites naquilo que diz respeito às práticas psicológicas.

Impugnável o laudo psicológico produzido por um assistente técnico em condições que destoam do preconizado pelos órgãos regulamentadores da profissão de psicólogo. Para que tal prática desapareça por completo ao longo do tempo basta que o CFP se pronuncie declarando-a explicitamente destoante dos princípios técnicos e éticos norteadores das práticas psicológicas.

A proposição de que deve haver colaboração entre o perito e o assistente técnico denota que o embate entre as partes contaminou as reflexões do grupo de trabalho sobre as relações das partes com o juízo, em outras palavras, se está confundindo a lide (o embate entre as partes) com a operacionalização do processo de coleta dos elementos necessários e suficientes para que o juiz forme sua convicção.

Ao determinar a realização de um estudo psicossocial o juiz está buscando elementos que lhe possibilitem formar sua convicção. Inexistindo impedimentos, a equipe técnica procede ao estudo submetida ao princípio de imparcialidade e se lhe deve assegurar a máxima autonomia. O princípio do contraditório autoriza às partes recusarem determinado perito alegando seu impedimento, como também contraporem-se aos resultados do estudo. Aceito o perito não se pode admitir a interferência do assistente técnico da parte na realização do estudo. Há o risco de expor-se a abalo o princípio de imparcialidade

Admitir-se a presença do assistente técnico quando da realização do estudo psicológico pericial, mesmo quando também ele é um psicólogo, implica na introdução de um elemento estranho extremamente perturbador do campo psicológico que se precisa construir para realizá-lo devidamente e, vislumbro, tende a tornar o resultado do estudo mais a expressão das negociações estabelecidas entre os profissionais do que a síntese dos aspectos psicológicos que deveriam ser avaliados pelo perito.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

Defensorias Públicas

As defensorias públicas de cada estado prevêem a ocorrência de atendimento interdisciplinar psicossocial. Resenhei aspectos relevantes da legislação.

A Defensoria Pública foi criada pela Constituição de 1988, que em seu artigo 134 determina:

Art. 134. A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV. Parágrafo único. Lei complementar organizará a Defensoria Pública da União e do Distrito Federal e dos Territórios e prescreverá normas gerais para sua organização nos Estados, em cargos de carreira, providos, na classe inicial, mediante concurso público de provas e títulos, assegurada a seus integrantes a garantia da inamovibilidade e vedado o exercício da advocacia fora das atribuições institucionais.

A LEI COMPLEMENTAR Nº 80, DE 12 DE JANEIRO DE 1994 organizou a Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos Territórios e prescreveu normas gerais para sua organização nos Estados, e deu outras providências. Definiu como sua incumbência prestar assistência jurídica, judicial e extrajudicial, integral e gratuita, aos necessitados, assim considerados na forma da lei.
No Art. 4º são descritas suas funções institucionais, sendo a primeira delas:
I - promover, extrajudicialmente, a conciliação entre as partes em conflito de interesses;

A LEI COMPLEMENTAR Nº 988, DE 9 DE JANEIRO DE 2006
dispôs sobre a organização da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, nos termos dos artigos 1º, 3º, 5º, inciso LXXIV, e 134 da Constituição da República e artigos 103 e 104 da Constituição do Estado de São Paulo, e definiu como um de seus fundamentos de atuação a prevenção dos conflitos (art. 3º) e, ao definir suas atribuições, explicita nos incisos V e VI do Artigo 5º:
V - prestar atendimento interdisciplinar;
VI - promover: a) a mediação e conciliação extrajudicial entre as partes em conflito de interesses; b)...

No artigo 7º, consta:
À Defensoria Pública do Estado são asseguradas autonomia funcional e administrativa e a iniciativa de sua proposta orçamentária,(...) cabendo-lhe especialmente:
II - praticar atos e decidir sobre a situação funcional e administrativa do pessoal ativo da carreira de Defensor Público e dos serviços auxiliares organizados em quadros próprios;
IV - prover os cargos iniciais da carreira e dos serviços auxiliares, bem como aqueles decorrentes de remoção, promoção e demais formas de provimento derivado;
VI - instituir seus órgãos de apoio administrativo e os serviços auxiliares;
VII (...)

No Artigo 10 – consta, no inciso IV, que os órgãos auxiliares são parte integrante da Defensoria Pública do Estado e no Artigo 48 que as Defensorias Públicas Regionais e a Defensoria Pública da Capital serão capacitadas com ao menos 1 (um) Centro de Atendimento Multidisciplinar, visando ao assessoramento técnico e interdisciplinar para o desempenho das atribuições da instituição, assegurada a instalação, em toda comarca ou órgão jurisdicional dentro de sua área de atuação, de local apropriado ao atendimento dos Defensores Públicos.

Conforme se lê no artigo 56 os Centros de Atendimento Multidisciplinar são integrantes dos Órgãos Auxiliares.

SUBSEÇÃO VI - Dos Centros de Atendimento Multidisciplinar
Artigo 69 - Compete aos Centros de Atendimento Multidisciplinar assessorar os Defensores Públicos nas áreas relacionadas às suas atribuições.
Artigo 70 - Para o desempenho de suas atribuições, os Centros de Atendimento Multidisciplinar poderão contar com profissionais e estagiários das áreas de psicologia, serviço social, engenharia, sociologia, estatística, economia, ciências contábeis e direito, dentre outras.

Evento CRP/SP 15/12/2007

A Psicologia Jurídica: características e possibilidades do campo de conhecimento e da prática profissional
O Conselho Federal de Psicologia e os Conselhos Regionais, em parceria com a Associação Brasileira de Psicologia Jurídica (ABPJ), estão promovendo encontros com o intuito de caracterizar as práticas psicológicas que vem sendo exercidas na interface Psicologia e Direito e de promover a renovação e o fortalecimento da ABPJ.
Aos 15/12/2007, na sede do CRP-SP, demos o primeiro passo ao reunirmos docentes de psicologia jurídica, psicólogos que atuam nesta área e estudantes nela interessados.
O momento é de delimitação do campo de conhecimento, de definição das práticas profissionais e de conquista de oportunidades de atuação.
O bonde está passando e estamos te convidando a percorrer conosco este intinerário promissor...
Edson, 16/12/2007

Psicólogo nas Sessões de Conciliação

Setor de Conciliação da Família: criando o espaço social da escuta e da fala do emocional.
Síntese
A partir de uma experiência de inclusão de estagiários do 5o ano de psicologia nas sessões do Setor de Conciliação de uma Vara de Família procede-se a uma análise dos processos psicológicos mobilizados e da participação destes na produção de resultados tidos como bastante satisfatórios. Argumenta-se que a presença de um porta-voz do saber psicológico nas audiências de conciliação possibilitou ouvir-se o parecer do especialista no decorrer da própria audiência, visto ser a psicologia o saber competente para dirimir discordâncias entre os envolvidos quanto a como assegurar o melhor desenvolvimento psicológico da criança e quanto a como melhor lidar com os sentimentos suscitados no decorrer de uma separação conjugal. Enfatiza-se que, por força do papel social do psicólogo, sua presença nas sessões de conciliação criou o espaço social para a fala e a escuta do emocional, até então inexistente, autorizando os envolvidos a ali falar sobre seus sentimentos e emoções: seja no decorrer da própria audiência, dentro dos limites estabelecidos pelos envolvidos; seja em rápidas entrevistas psicológicas realizadas com os mesmos, ali e naquele momento; seja no estudo psicológico focal da família agendado para realização na Clínica da Universidade. Ressalta-se que estes últimos procedimentos constituíram-se na oportunidade de um atendimento psicológico dentro dos rigores do enquadre clínico: dependiam da aceitação dos envolvidos e incluíam apenas estes e o psicólogo; não implicavam na produção de qualquer conclusão técnica a ser apresentada na sessão, nem de qualquer laudo, parecer ou relatório a ser juntado aos autos; não se realizava a serviço da Justiça e nem em prol do acordo, do entendimento ou da conciliação. Conclui-se que os resultados obtidos decorreram de se ter implantado um atendimento psicológico completamente exorcizado de toda e qualquer alusão à função pericial.

CRIANDO O ESPAÇO SOCIAL DA ESCUTA E DA FALA DO EMOCIONAL COM A INCLUSÃO DE UM ESTAGIÁRIO DE PSICOLOGIA NAS SESSÕES DE CONCILIAÇÃO DE UMA VARA DE FAMÍLIA

Na experiência que realizamos de inclusão de um estagiário de psicologia nas sessões do Setor de Conciliação da Família, ele estava orientado a manifestar-se sobre os temas relacionados ao saber psicológico que aflorassem, a oferecer aos envolvidos a oportunidade de rápida entrevista psicológica ali e naquele momento, durante uma breve interrupção da sessão para esse fim, como também a proceder ao agendamento de um estudo psicológico com a família focalizado sobre a demanda judicial, a ser conduzido por ele, na Clínica da Universidade.

A presença do psicólogo na sessão de conciliação permitia ouvir e questionar a opinião do especialista ali e naquele momento. As rápidas entrevistas psicológicas realizadas ali e naquele momento, fator decisivo para assegurar o foco, assim como o estudo psicológico focal realizado na Clínica da Universidade, foram estruturados de forma a exorcizar-se toda e qualquer alusão à função pericial e, ao mesmo tempo, buscando otimizar o quantun de enquadre produzido pela função social do psicólogo.

O psicólogo presente à sessão de conciliação não fazia conciliação, nem mediação. Não buscava o acordo, nem o entendimento. Não se colocava a serviço do conciliador, nem do poder judiciário. Não aspirava a fazer justiça. Escutava os envolvidos enquanto psicólogo clínico e falava a todos enquanto especialista, submetendo-se aos limites estabelecidos por aqueles, aos quais reconhecia como os beneficiários de sua intervenção. Oferecia oportunidades de entrevistas psicológicas, ali e naquele momento, e de atendimento psicológico focal ao grupo familiar, posteriormente. Suas intervenções não visavam a formulação de uma opinião técnica a ser apresentada na sessão; não intencionava a produção de qualquer laudo, parecer ou relatório a ser juntado aos autos.

CONCLUSÃO

O psicólogo presente à sessão de conciliação não exercia e não devia exercer a psicologia judiciária; não devia colocar-se como assistente técnico e nem se conceber como um psicólogo jurídico, devia, apenas e tão somente ser um psicólogo clínico na mais rigorosa acepção do termo. Não aspirava, nem se identificava com os papéis de conciliador, de mediador ou de juiz.

Sua grande contribuição, neste contexto, correspondia à formalização da criação do espaço social para escuta e a fala do emocional: mera decorrência de sua inclusão nas sessões de conciliação por força da otimização do enquadre produzido pela função social do psicólogo. Foi o bastante para que passassem a ocorrer mudanças de posturas dos envolvidos no âmbito da conciliação do litígio, enquanto meras decorrências da ampliação do conflito verbalizado, da minimização de seus viézes e do afrouxamento das defesas psicológicas mobilizadas. Efeitos absolutamente condizentes com a mais corriqueira das intervenções do psicólogo clínico e em plena consonância com os princípios fundamentais da ética do profissional psicólogo.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

A constituição da lide nas Varas de Família

A ESPIRAL E A PIRÂMIDE

O conflito vivencial intrafamiliar pode ser representado por uma espiral, ora expandida, ora semi-expandida, ora toda retraída, ocupando nestes diferentes momentos maior ou menor espaço na vida familiar; perturbando-a mais ou menos.
Levado à apreciação da Justiça tal conflito passa a ser moldado às figuras e formas de proceder próprias do âmbito jurídico, ou seja, é tornado lide. Esta moldagem da espiral do conflito intrafamiliar corresponde a um enquadramento do vivenciado a estruturas preexistentes no proceder jurídico, necessário para torná-lo operacionalizável neste âmbito. Desta forma, a espiral do conflito vivencial passa a ser conformada à pirâmide de poder estruturante das relações jurídicas e a ela fica submetida.

No topo dessa pirâmide temos a figura do Juiz, que instrui o processo determinando a produção de provas relevantes para a formação de sua convicção (o laudo do estudo psicossocial realizado sob determinação judicial constitui-se numa prova de tipo pericial); na base o requerente e seu advogado; o requerido e seu advogado.

Importante reconhecer que o gesto de recorrer à Justiça corresponde à decisão de buscar a solução do conflito intrafamiliar neste âmbito, ou seja, enquanto direitos não respeitados e deveres não cumpridos. Assim, ainda que a mediação/conciliação de conflitos intrafamiliares no âmbito da Justiça incorpore escandalosamente o trato com temas sobre os quais a psicologia é reconhecida como um saber competente para produzir enunciados com status de verdade, não se pode perder de vista que, ao procurar um advogado, os envolvidos estão elegendo o saber do direito como o competente para a resolução do conflito intrafamiliar.

Ressalte-se ainda que tais procederes são instituídos pelo saber do direito enquanto alternativas para a resolução de conflitos, ou seja, constituem-se em áreas de aplicação deste saber, ainda que dentro de um enfoque multidisciplinar e mesmo que se admita a sua condução por outros profissionais.

O processo de constituição da lide nas Varas de Família desenrola-se a partir do momento em que uma das partes procura um advogado e lhe relata uma história de um conflito relacional de forma a consubstanciar a solicitação de seus serviços no sentido de formalizar uma separação em curso. Desnecessário demonstrar que tal relato detém uma temática nitidamente emocional.

Note-se que este conflito verbalizado é uma breve e intencional seleção das inúmeras insatisfações que permeiam a história relacional dos envolvidos, ou seja, há uma multiplicidade de elementos que deixam de ser verbalizados sob a ação do contexto em que é produzido e sob a atuação de fatores enviezantes, dentre estes:
1) o dos interesses atuais de quem o produz (por exemplo, o interesse de convencer o advogado a aceitar a causa e de que o melhor é que guarda dos filhos, por exemplo, lhe seja atribuída);
2) o das defesas psicológicas acionadas para tornar afetivamente suportável a efetivação da separação (p. ex., a necessidade de só ver os defeitos do outro);
3) o dos medos suscitados pela própria separação (p. ex., o medo de perder os filhos, de ficar sem a casa, de vir a enfrentar dificuldades de subsistência).

O conflito verbalizado, ou seja, o histórico relatado dos motivos que conduziram à decisão de separação acrescido das proposições de como deve passar a se organizar a família separada, tal qual produzido por aquele que está recorrendo ao advogado, corresponde ao conteúdo explicitado de conflitos intrafamiliares que se engendraram no desenrolar do acontecer da relação conjugal, trazendo em seu bojo complexas tramas emocionais constituídas ao longo de uma história relacional, as quais aparecem apenas suscitadas pelas emoções e posicionamentos apreendidos pelo advogado no decorrer do relato e pela análise da proposição de como deve passar a ser a nova organização familiar.

Assim, subjacente ao conflito verbalizado sabemos existir todo um amplo conjunto de vivências conflituosas que não foram relatadas, o qual passaremos a nomear por conflito não verbalizado. É nas vivências conflituosas não relatadas que entendemos estar a fonte da energia psíquica que sustém os posicionamentos mantidos no decorrer da demanda jurídica, como também das ambigüidades e indecisões apreendidas pelos profissionais acionados.

Uma das motivações para que tais vivências sejam suprimidas do conflito verbalizado advém do fato de serem dissonantes da posição afetiva que se passou a assumir ao se resolver proceder à separação e/ou por não confirmarem a nova organização familiar proposta. Tal supressão também pode ser motivada pelo fato de vincularem-se a vivências marcadas por intenso sofrimento e, inclusive, por estarem submetidas à repressão.

Recorrendo à clássica analogia com o iceberg, temos: o conflito verbalizado é a ponta do iceberg, enquanto o conflito não verbalizado corresponde a toda a parte submersa e que é bem mais volumosa do que aquela que vemos flutuando; os vieses e as defesas psicológicas mobilizadas situam-se na intersecção entre o submerso e o flutuante, oscilando a sua parte visível em função do movimentar das ondas; a lide é a sombra da ponta do iceberg projetada sobre a superfície das águas do gélido mar dos procederes jurídicos, neste oceano do universo relacional.

Há ainda um fator externo a motivar a supressão de tais vivências, que é a ausência de espaço social para a sua expressão no âmbito dos procederes jurídicos desenvolvidos para o trato com os conflitos intrafamiliares. Mesmo os Setores de Conciliação da Família, tal qual criados, implantados e disciplinados pelo provimento 953/05, prevêem as figuras do conciliador/mediador e dos advogados, em última análise, todos porta-vozes do saber do Direito. Admitem que aqueles acionem um especialista, por exemplo um psicólogo ou assistente social, mas a serviço do esforço de mediação/conciliação. Ou seja, tais procedimentos sabem refletir os objetivos do saber do Direito, mas ainda não se deixaram contaminar pelos objetivos próprios dos saberes psicológicos e social. Sendo assim, ainda não se constituem, verdadeiramente, em intervenções interdisciplinares.

Ainda que seja um truismo que a temática emocional subjaz e alimenta as demandas judiciais das varas de família e que se reconheça a psicologia como um dos saberes com competências para se pronunciar sobre referida temática e para determinar os modos eficientes de escuta desta mesma temática, ela, tem sido incluída nas práticas judiciárias sob o viés da função pericial, fundamentada, em última análise, nos objetivos do saber do direito.

A serviço e a mando da justiça, o psicólogo judiciário — como também o psicólogo convocado para uma sessão de conciliação, a ele equiparado — numa abordagem clínica, realiza o estudo psicológico com os envolvidos, mas para o juízo. Eis a fonte de uma ambigüidade insuperável no âmbito da psicologia judiciária.

O PROCEDIMENTO PARA A CONSTITUIÇÃO DA LIDE

Reconhecendo o litígio como o objeto privilegiado de ação da Justiça e a lide definida por “um conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida” (Manual TJSP, p.17), temos que as práticas judiciárias, apesar de apregoarem o esforço inicial de conciliação, acabam por “sabotar” a busca do entendimento.

Ainda que saibamos que a primeira obrigação do advogar na área de família seja o trabalhar em prol da reconciliação, temos que, ouvido o conflito verbalizado e definidos os termos do pedido, o advogado debruçar-se-á sobre a elaboração da petição inicial, procedendo a uma transcrição, a uma decodificação para as figuras e a linguagem do operar jurídico apresentando-o em termos de direitos não respeitados e de deveres não cumpridos. Inicia-se, assim, o procedimento de constituição da lide.

Na petição inicial o advogado irá relatar a história relacional de seu cliente (o requerente), com o outro (o requerido), de modo a consubstanciar o pretendido. Desta forma, a construção da vida relacional das partes realizada pelo advogado é, inevitavelmente, parcial, pois está alicerçada sobre os interesses de seu cliente e está restrita à breve amostra da história relacional que lhe foi apresentada sob os viéses do conflito verbalizado. Além disso tem por característica projetar a responsabilidade pelos acontecimentos no outro, por força do caráter adversarial do proceder jurídico.

O procedimento para elaboração da resistência (a fala da parte que se opõe ao pretendido) tem as mesmas bases: um outro advogado, diante da verbalização enviezada do conflito pelo seu cliente (o requerido) e da pretensão definida nos autos, e ocupando uma posição igualmente de parcialidade, irá construir uma outra história relacional visando consubstanciar a recusa em atender o pretendido, e o fará contradizendo o alegado pela outra parte e procurando projetar, de volta, a responsabilidade no requerente.

A estratégia de jogar a culpa no outro, vem acompanhada da necessária desqualificação deste enquanto cônjuge, pai ou mãe, e é implicitamente imposta pelo cunho adversarial do proceder jurídico. Comprova-o o fato de a própria legislação civil supor que numa separação conjugal há um culpado e um inocente (veja o artigo 1.578 do Novo Código Civil). O processo é conduzido como se coubesse ao “inocente” ser “indenizado” pelo sofrimento e humilhação que lhe foi imputado pelo “culpado”.

Constituída a lide os atos vão se sucedendo em conformidade com o regramento estabelecido, até o desfecho do processo que é a decisão judicial.